quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Da janela do quarto... (Continuação)

Desde aquela silenciosa noite, minha vida não foi a mesma. Aquela prova que eu fiz no dia seguinte àquela noite foi catastrófica devido a minha falta de concentração. Minha mãe reclamava que eu não saia do quarto pra nada e que estava me afastando cada vez mais da família. Meu pai já tinha tentado inúmeras vezes conversar comigo a sós, afinal, eu sempre contei tudo pra ele e nunca escondera nada. Até aquela noite.

Depois de ouvir a mais estranha conversa no telefone, eu não conseguia pensar em mais nada. Quem era aquela moça? Com quem estava falando? Ela era mesmo uma criminosa? Ou, pelo menos, uma mandante? A única certeza que eu tinha é que uma pessoa tinha morrido aquela noite. E o assassino foi com quem a mulher estava falando no telefone.

Como todos na casa só chagavam a noite, eu passava o dia sozinha. Antes, eu brincava com meus bichinhos ou ficava no computador baixando música mesmo, porém, já completava 1 mês desde a minha mãe tinha começado a reclamar sobre meu comportamento. Depois de muitas discussões com o meu pai, a conclusão que minha mãe pôde chegar foi à falta de companhia. Resultado? Um beagle apareceu lá em casa em menos de uma semana. Ele até que era bonitinho, todo atrapalhadinho, pequenininho. Todo “inho”. Resolvi chamá-lo de Costelinha, afinal, meu desenho preferido era Doug .

Eu e Costelinha nos divertíamos bastante até. Ele não me enchia de perguntas, apenas abanava o rabo e me lambia até eu ficar sem ar de tanto rir. Ele me distraia tanto que eu até esquecia aquela conversa esquisitíssima no pátio do prédio. Claro, conforme o Costelinha foi crescendo, o apartamento foi ficando pequeno. Minha única solução era descer com ele e ficar brincando com ele no pátio. Eu levava uma bolinha que minha mãe tinha comprado pra ele para que ele buscasse e trouxesse pra mim de volta. Passava horas e horas assim até o Costelinha trazer a bolinha quase se arrastando de tão cansado. Então, subia e colocava água nova pra ele e ficava esperando meus pais e irmão chegarem.

Porém, quase no final das minhas férias, eu estava no pátio jogando a bola para o Costelinha até que eu arremessei a bola com pouquíssima força devido ao meu braço já estar bem cansado, que a bola foi parar nos pés de uma mulher. Ela estava bem vestida e era ruiva com os cabelos cheios de cachos e na altura dos ombros. Parecia que estava saindo do prédio e se direcionando ao portão e quando viu a bolinha (que estava toda babada), pegou-a com o polegar e o indicador e veio em minha direção sorrindo.

“Que belo cachorro que você tem! Qual é o nome dele?”- disse a moça num sorriso grande e branco. A voz era afinadíssima e hipnótica. O incômodo que me incomodou naquela noite voltou a subir pela minha espinha. Meu estômago revirou dentro do meu corpo.”É ela! É ela!!!” repetia pra mim mesma mas eu não podia ficar sem falar nada... Mas estava travada! Então, respirei fundo, consegui sentir o perfume da mulher (que era muito bom, por sinal), e respondi educadamente:

“Costelinha.”

“Puxa, menininha... você está pálida! Você está bem?” - comentou ela com cara de preocupação. Quando ela falava parecia que estava cantando de tão bonita que era sua voz.

“Ah... tô, sim! Não se preocupe...” - respondi e tentei sorrir. Acho que só consegui dar uma careta para ela. Ela passou a mão no meu cabelo e me devolveu a bola.

“E como é o seu nome? ” - perguntou ela sentando na muretinha do meu lado. “Eu já tinha visto você antes aqui mas nunca tive um pretexto para vir falar com você. Sabe, sou nova por aqui e ainda não deu tempo de conhecer todo mundo.”

“Marina. E o seu?” - perguntei tentando manter-me firme para não desmaiar de medo.

“Jéssica... Bom Marina, muito prazer em te conhecer. Espero te encontrar aqui embaixo mais vezes” - disse ela com um sorriso de novo – “eu tenho um compromisso e... preciso ir.”

“Tá. Bom compromisso” – falei apertando a bolinha com muita força tentando não pensar no que aquilo realmente queria dizer.

Ela saiu pelo portão ao mesmo tempo que eu e Costelinha disparamos para dentro do prédio. Ao entrar no hall, olhei para fora pela janela e vi que Jéssica não estava mais lá. Respirei fundo para tentar me acalmar e sentei no sofazinho mais próximo de mim. Então, era ela a moça que me atormentava nos meus sonhos e pensamento. Se eu a olhasse na rua, com certeza não a consideraria uma assassina, mas não poderia me enganar pelas aparências. Eu tinha que fazer algo. Chamar a polícia, qualquer coisa. Tinha que pensar em um plano e rápido.

Naquela noite, minha família estava toda na sala vendo o noticiário. Nunca prestava muita atenção, principalmente agora que o Costelinha me entretinha. Porém, uma notícia me chamou a atenção. Um jovem de 27 anos fora achado morto em algum lugar do interior. Sem digitais, sem pistas. O corpo deveria estar enterrado há mais de 2 meses.

As falas da Jéssica entraram na minha cabeça por um momento:

“Você tem que limpar o local e certifique-se que não deixou nenhuma digital.
(...)
É só fazer o que eu te falei e seguir o regulamento que nada vai dar errado..."

Era óbvio! Essa era a vítima daquela noite e eu já tinha uma desculpa para ligar para a polícia. Precisava esperar os meus pais saírem ou pegar o telefone sem fio sem que me notassem.

Resolvi esperar um pouco e consegui pegar o telefone da base. Fui para o meu quarto correndo e disquei 190. Contei tudo o que sabia e achava que poderia ajudar nas investigações sobre esse assassinato. Os policiais agradeceram e falaram que vinham no dia seguinte para verificar as informações.
Dito e feito, no dia seguinte dois policiais tocaram o interfone e Jéssica saiu de casa para recebê-los. Ela parecia não entender do que estavam falando, mas cooperou com as perguntas feitas por eles. Até que eles a chamaram para acompanhá-los até a delegacia.

Essa foi a última vez que a vi, tirando a vez que eu vi o noticiário e ela alegava sua inocência para a câmera. Não quis saber se foi condenada, se foi absolvida. Eu só sei que eu finalmente poderia descansar, afinal, eu não era mais vizinha de uma assassina.

sábado, 8 de agosto de 2009

Maioridade

Estava ela lá, na frente de seu bolo de 6kg só de chocolate. Todos seus amigos e familiares reunidos em volta da mesa com câmeras. Flashes e mais flashes. A tão cantada canção de parabéns tinha começado e ela não conseguia conter o sorriso de orelha a orelha. Batia palma junto com os convidados e gargalhava com tanta naturalidade que todos riam junto com ela. Tinham calculado a hora do parabéns pra ela poder soprar as velinhas bem na hora da meia-noite, assim, ela estaria completando os 18 anos verdadeiramente.

Ela mal podia esperar. Faltavam apenas alguns segundos para ela ser maior de idade. A independência dos pais (não completa, mas ela poderia responder pelas suas atitudes agora), as bebidas compradas legalmente, a carta de motorista que estava por vir e as entradas de baladas que não seriam mais barradas. Tudo novo. Seria como se ela fosse ganhar um par de olhos novos e que tudo o que visse seria diferente a partir de então.

Já estava na parte do “e pra ela nada?” e seu coração estava aceleradíssimo. Sentia o sangue se concentrar em suas bochechas e sua respiração ficava cada vez mais funda e rápida. Fechou os olhos enquanto pensava que logo estaria com 18 anos. Imaginou como sua vida era até então. Não era ruim, claro... Mas ela não era maior. Seria uma transformação extraordinária, sem sombra de dúvida. Continuou de olhos fechados até ouvir o “rá-tim-bum” e as pessoas dizendo seu nome.

Abriu os olhos e assoprou as 18 velinhas. Aplausos e gritinhos de alegrias. Flashes e mais flashes. Ela olhou em volta. Parecia tudo normal, tudo tão igual. Seu sorrindo foi se desfazendo conforme as pessoas vinham com os abraços e beijos. Cadê aquela mudança? Cadê o par de olhos novos? Seria uma alteração tão sutil que não dava pra ver? A decepção foi tomando conta de seu coração e ela não entendia. Por quê? Queria tanto ver a diferença!

Sua mãe afastou a multidão em volta dela, abraçou-a com tanta força que a fez voltar pra realidade e perguntou se já se sentia diferente. A única reação que ela teve foi olhar para sua mãe e dar um sorrisinho amarelo. Só tinha conseguido pensar que era maior e que, tirando uma velinha a mais no bolo, tudo continuava igual. As mesmas pessoas no aniversário (alguns com umas rugas a mais, outros com namorados diferentes), na mesma casa, com o mesmo bolo só de chocolate que ela adorava.

Caiu a ficha: não mudaria. Tudo continuaria igual, como sempre. A rotina continuaria a mesma. O tempo continuaria passando, até com mais pressa. Logo ela faria 20, 30... E o que mudaria? Seu corpo, seu rosto? Sim, com certeza. As responsabilidades aumentariam e muito, muito mais do que ela esperava. Mas não era isso que ela queria? Por que, então, toda aquela expectativa tinha virado um peso? Não era pra ela ficar feliz como ela estivera em momentos atrás? E... por que ver isso tudo como um peso? Eram 18 anos, poxa vida! Ela tinha mais é que comemorar! Decidida, então, pensou em aproveitar sua festa assim como todos os momentos de sua existência.

Logo, o seu sorriso estava de volta e ela virou a noite dançando com seus colegas, familiares e namorado. Cantou no karaokê, bebeu cerveja (finalmente) estando dentro da lei, conversou com todos, brincou, riu, namorou e foi dormir tranqüila. Achava que se fosse para sentir as mudanças da maioridade, ela teria que fazer isso com as próprias atitudes.

Seu último pensamento, as 9h40 da manhã, antes de cair em um profundo sono foi: “Estou com 18 anos agora... E agora, minha vida vai ser FODA!” .