quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um pouco tarde demais - Capítulo Um

Há algumas semanas, eu vi uma reportagem sobre suicídio. Em um dos casos, a namorada acabou se matando por não conseguir lidar com o término do namoro. A minha história é um pouco diferente. Na verdade, é exatamente ao contrário.

Meu nome é Letícia e tenho 20 anos. Morei na mesma cidade do interior por 18 anos com meus pais e meus irmãos. Sou a caçula, portanto, a mais protegida. Sai de casa para cursar a faculdade de medicina na capital do estado assim que me formei no colégio e foi um sufoco para que todos aceitassem essa separação. Afinal, meus irmãos sempre foram muito ciumentos e acabavam controlando uma parte da minha vida social. Um exemplo disso era a rigorosa seleção que eles faziam para que a família e a “irmãzinha” predileta deles conhecessem os seus amigos.

Se não me engano, o André demorou uns bons e longos meses para aparecer em um almoço lá de casa. Ele era amigo do meu irmão do meio, Victor, e na época, ele tinha 16 anos enquanto eu tinha 14. Não me lembro de ele falar muito na mesa, apesar da minha família ser bem italiana (falar alto e gesticular muito são só meros exemplos), mas lembro bem de algo ter me chamado atenção naquele garoto magrelo, branquinho, ruivinho, de olhos castanho-mel e com seus 1,90 metros de altura.

Não cheguei a conversar com ele nesse almoço. Costumava ser muito tímida com os amigos dos irmãos, afinal, quase não recebíamos visita da parte deles. Acho que era falta de costume de ver gente nova lá em casa. Mas isso mudou conforme o Victor e o Daniel, o mais velho, começaram a chamar o André mais vezes para jogar videogame, estudar, almoçar, fazer corujão, etc...

Depois de mais algum tempo freqüentando lá em casa e meus irmãos indo na casa dele, eu comecei a me aproximar. Até lembro que fiz uma piada ruim durante uma partida de videogame e ele riu! Meus irmãos olharam para ele com uma cara estranha e ignoraram. Fiquei um tanto quanto sem graça, mas achei bonitinho da parte dele.

Como estudávamos no mesmo colégio, às vezes eu e André nos esbarrávamos nos corredores, mas nunca tínhamos cumprimentado antes. Até na semana seguinte ao episódio da piada. Eu estava saindo da minha aula de geometria para o intervalo e o encontrei próximo ao meu armário.

- Falaí, Gentillizinha! – me chamou animado – Você faz jus ao seu sobrenome! Não é igual aquele comediante do CQC?
- É, ele é meu parente distante. – respondi, fechando a cara.
- Ué, qual o problema? – perguntou com a cara de confuso mais fofa que eu já tinha visto na minha vida.
- É que eu não gosto do meu sobrenome. Letícia Gentilli. Quer coisa mais... nada a ver que isso? – expliquei rápido.
- Você queria ter um sobrenome comum, por algum acaso? Tipo... da Silva?! – disse num tom debochado.

Ri e respondi:

- Apesar de ficar um tanto quanto comum, eu preferiria. Meu nome é muito sem sal... Ah, resumindo, não gosto do meu sobrenome!
- Como devo te chamar então, ó, grande piadista? – declamou André ainda tirando um sarro da minha cara.
- Pode me chamar só de Le, ó, querido besta! – respondi no mesmo tom de brincadeira.
- Ai! Essa doeu – respondeu ele com uma careta fofa e passou a mão no coração – Ah! Então, não vim aqui para falar do seu sobrenome... Quero saber se você vai estar em casa esse final de semana.
- É, não tenho muitos planos, não. Provavelmente não irei sair... mas porque o interesse? – perguntei curiosa.
- Queria saber se eu fosse pra sua casa, você teria um show de stand up comedy para todos nós!
- Só se me jogarem dinheiro cada vez que a piada for horrível! – disse rindo.
- Você vai ficar pobre desse jeito, menina... – disse tentando manter-se sério.
- Ah, pára! Não precisa ficar puxando meu saco! Meus irmãos já gostam de você, fique tranqüilo – disse sorrindo.
- E quem disse que eu tava tentando puxar o saco dos seus irmãos? – respondeu num tom mais sério - Eu falei sério. Eu gostei de você contando piada.
- Mas que gostinho, hein... – respondi séria também.
- É... Gosto é que nem braço: tem gente que não tem. – falou olhando para os meus olhos.
- Que horror, André! Isso é lá coisa que se diga?! – falei indignada.
- Hahahaha, sabia que você ia falar isso! – disse com aquele sorrisinho lindo e em um tom descontraído de novo – Bom, o recreio já tá acabando...
- Recreio?! Que série você tá? Primeira? – disse debochando dele.
- Depois eu digo que você serve pra contar piada e você não acredita! – falou rindo – mas, para a sua informação, eu estou no segundo ano do ensino médio, tá? E você que nem saiu do fundamental ainda?

Antes que eu pudesse retrucar, ele se virou, deu uma corridinha pra longe, olhou pra trás e acenou. E aquele foi o primeiro de muitos recreios que passamos juntos.