sexta-feira, 8 de maio de 2009

Not Another Nightlife...

Joana acordou com a luz que batia em seu rosto e com uma expressão de dor, abriu os olhos lentamente. Sentia que sua cabeça pesava uma tonelada e sua vista ardia devido a claridade. Notou que estava em um quarto grande, branco, com uma janela que dava pro mar. Virou-se para olhar o resto do quarto: viu os armários, cômodas e o resto dos móveis todos brancos, uma porta fechada do lado esquerdo da cama e uma passagem pra uma sala no pé da cama.

Sentou-se, coçou a cabeça com a cara fechada e olhou pra si mesma. Estava com a roupa que lembrava ter posto no dia anterior para sair com as amigas. Mas e suas coisas? Tinha deixado na boate ou teria trazido consigo?

Foi aí que caiu a ficha de Joana.

“Onde raios estou?” – pensou – “Não lembro de nada de ontem... Tenho que lembrar que vinho é pra festas mais chiques, só pra fazer social... e não pra se embebedar em boates... Onde estarão minhas coisas?”
Começou a procurar sem sucesso suas coisas nos lençóis brancos. Quando parou, frustrada, ouviu o barulho de um chuveiro abrindo e a água caindo no chão vindo da porta fechada. Assustada, Joana levantou rapidamente e se afastou da cama olhando pra porta.

“Meu deus... Tem alguém aqui! Tem alguém ali! Atrás daquela porta!!!” – gritou consigo mesma – “Tenho que dar o fora daqui... e rápido!”

Olhou para o pé da cama e achou seu sapato prata. Pegou-o e foi para a sala. Quando entrou no cômodo, notou que o lugar era realmente chique. Os sofás, poltronas e apoio para os pés eram todos de couro. Um bar com todos os vinhos e champanhes que ela conhecia e mais alguns que ela nem tinha ouvido falar. Sem falar no piano preto e majestoso que Joana achou que nunca tinha visto um tão bonito. Curiosa que era, passou a mão delicadamente por cima e viu que nem pó tinha.

"Queria ter poder econômico para comprar essas coisas...” – pensou – “Acho que seja-lá-quem-for que está no banheiro não vai se importar se eu tocar um pouco, né?”
Sentou no banco e apertou uma tecla. Era diferente de todos os teclados eletrônicos que já havia tocado na vida. O piano a hipnotizava e quando deu por si, ela já estava tocando a trilha sonora do filme “Cinema Paradiso”, que por sinal eram suas
músicas favoritas.

- Você não tinha mencionado que tocava piano, Joana. – disse a voz grave de um homem atrás dela. Ela levou um susto, colocou-se de pé rapidamente e virou pra encarar o estranho.

- Desculpe... é... – gaguejou ao olhá-lo. Ele estava só com a toalha enrolada na cintura. Era alto, com todos os músculos definidos. Seu rosto era delicado, olhos verdes e um sorriso que JOANA considerou maravilhoso. Seus cabelos estavam molhados ainda e aparentavam ser bem escuros.

- Rodrigo. Pode me chamar assim agora. – disse ele sorrindo e cruzou os braços.

- É... Rodrigo, me perdoe... mas eu tenho um compromisso e ia sair sem incomodá-lo... – disse Joana recompondo-se.

- Mas hoje é domingo... Você me disse que não tinha nada ontem... – disse Rodrigo ainda sorrindo. Parecia até estar se divertindo com a situação.

- Ah, mas você sabe como é... Amanhã já é segunda, preciso arrumar umas ultimas coisas do trab—

- Você não lembra de nada de ontem, né? – interrompeu Rodrigo

- Não! Claro que lembro! É que eu não sou boa para nomes, entende? – falou envergonhada – mas sou uma ótima fisionomista... se a gente se esbarrar por aí de novo, com certeza lembrarei de você!

- Sei... – comentou divertido mas não muito convencido – suas coisas estão em cima da mesinha de centro, já que você tem um... como você disse... compromisso.

Ele virou e voltou para o quarto.

- Ah... Obrigada. – olhou para a mesa e viu a bolsa jogada – Olha, Rodrigo... eu só preciso fazer uma pergunta... É que eu não fui totalmente sincera... eu lembro de algumas coisas de ontem... mas... eu não lembro se... nós... você sabe...

“Você não deveria ter saído do colegial, Joana... Que ridículo!” – pensou frustrada.

-Se nós transamos? – perguntou sério

- É... – falou sentindo o seu rosto pegando fogo.

- Eu queria mas... não transo com pessoas trêbadas – disse rindo de novo.

- Ah... – riu Joana – que bom... quer dizer... que pena... não.... ah, você entendeu.

- Na verdade, não. – Riu Rodrigo – mas me dê seu telefone... caso você esteja afim de um programa mais tranqüilo.

- Claro! – respondeu sem hesitar – Vou... deixar em cima do piano, pode ser?

- Por favor – apontou para o piano.

Joana pegou um guardanapo e uma caneta do balcão do bar e anotou seu telefone e nome lá. Deixou ali e despediu-se com um aceno e disse:

- Até a próxima!

Rodrigo deu uma piscadela e voltou a se vestir enquanto Joana se direcionava para a porta pensando:

“Tenho que lembrar também de não ficar tão bêbada de novo... Vai que eu perco uma transa dessa de novo...”

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sangue

A porta. A única barreira entre eu e o alívio... Nunca havia sido tão difícil de abri-la – Talvez fossem por minhas mãos que tremiam freneticamente.

Atravessei a porta, adentrando a sala de casa, indo direto para as escadas, sem olhar para os lados. – Não teria coragem de encarar ninguém. – quando ouço uma voz chamando meu nome. Demoro a perceber que se trata da voz de minha mãe:
- Onde esteve até agora, Marco?
- Por ai – respondi secamente, sem olhá-la nos olhos.
- Esteve esse tempo todo “por ai”? – sua voz soava irritada.
- Deixe de curiosidade, velha. É irritante... – não havia emoção em minhas palavras. Segui em direção ao meu quarto sem mais. – Era estranho notar a conexão entre mãe e filho – quase como se ela conseguisse olhar dentro de sua alma e descobrir a verdade... O que você não tem coragem de dizer.

Fechei a porta do quarto atrás de mim, me encostando a ela – “o que você fez? Como pôde?” – era o que ecoava em minha mente. Fechei meus olhos - Podia sentir o remorso corroer-me lentamente. Permaneci dessa maneira por algum tempo, para então seguir para o banheiro – praticamente me arrastando. Trancando-me lá dentro...
Encarei interminavelmente o espelho, observando a expressão perturbada em minha face que não se desfazia – talvez nunca mais se desfizesse... – “O que há de errado com você? Aonde estava com a cabeça? Aonde estava com a cabeça, Marco?” – senti tudo a minha volta girando – lembranças surgindo em minha mente. O sangue, a adrenalina, a excitação... Depois a tristeza – Meu estômago revira. Atiro minha cabeça na pia, despejando ali mesmo o líquido malcheiroso que se manifestava nele.
Retirei a jaqueta negra que usava, a mesma que cobria a parte mais dolorosa de minhas lembranças, criei coragem para olhar para baixo, para a minha camisa – outrora branca, agora coberta de sangue – Mais e mais lembranças. Mais e mais imagens! – Retiro-a em desespero, abrindo a torneira com mãos trêmulas, esfregando a peça freneticamente, como se dessa maneira pudesse lavar também a minha consciência – sem sucesso.
Olhei para baixo novamente, encarando a faca que jazia em minha cintura, presa na minha calça – podia sentir a lâmina fria em contato com a minha pele – “Como ela deve ter se sentido? Por que você fez isso?” – As palavras não cessavam. Pus-me a lavar faca, vendo o líquido vermelho se misturando a água que saia da torneira – sentindo o cheiro de ferro que se espalhava pelo lugar...
Encostando a cabeça no espelho a minha frente de olhos fechados – “Deve ter doido tanto! Ela não lhe fez nada, maldito! Como pôde?” – Sentindo-me cada vez com menos força. Ergui meu olhar para observar meu rosto no espelho novamente...

Olhos furiosos me encaravam. Olhos claros que não me pertenciam!

Saltei para trás, tropeçando em meus próprios pés e batendo as costas na porta atrás de mim, caindo no chão... Esqueci-me por alguns instantes de como se respirava! Nem mesmo piscar eu conseguia, até meus olhos começarem a arder em protesto, me fazendo acordar de meu transe. – Estava vendo coisas. Encostei minha cabeça à porta – ainda sentado onde havia caído, deixando a respiração voltar ao normal – sem coragem de olhar na direção do espelho.
... Algo quente, viscoso, tocou a minha mão – senti meu coração disparar novamente. – olhei temeroso para ela... Havia sangue! Sangue que não era meu! Sangue que não estava ali antes! – O fino fio se sangue que manchava agora minha mão se estendia... Segui com olhar o liquido que parecia estar vindo do canto do banheiro... Vinha da banheira – Estava cheia até a borda de sangue!
Uma borbulhada...
Meus olhos quase saltam das órbitas em desespero – não conseguia gritar, só movia os braços ensandecido tentando abrir a porta... Abri e disparei para fora com uma energia que pensara ter perdido, tentando abrir agora a porta do quarto para escapar, seja lá do que fosse aquilo – a porta não abria! Por mais que tentasse a fechadura não abria de forma alguma! – Sentia o coração disparado e a respiração ofegante... O pânico tomando conta de minha alma...
... Um frio subindo a espinha, o corpo tenso... Havia mais alguém no quarto!...
Pude sentir a presença gélida atrás de mim... Soprando em meu pescoço nu... Uma madeixa ruiva caiu sobre meu ombro – ruiva como Sofia! Era ela!... Não era possível, ela estava morta! – se depois do que eu havia feito haviam me restado dúvidas sobre minha falta de sanidade, elas acabaram nesse instante – mas eu estava vendo! Os cabelos ainda estavam ali, a sensação macabra de sua presença ainda estava ali!
Os punhos estavam fechados com tanta força que minhas mãos sangravam...
Virei-me num golpe rápido, atingindo apenas o ar com minha faca – não havia ninguém ali – ninguém que eu pudesse enxergar... A porta ainda não abria. Agachei-me ali, abraçando minhas pernas como uma criança, sentindo o gosto salgado de minhas lágrimas que escorriam sem que eu percebesse... E então o quarto estremeceu.
... Não piscava mais – não conseguia evitar olhar aquela imagem se formando do outro lado do quarto... A imagem fantasmagoria de Sofia – Pálida como a morte... Bem como eu a havia deixado, a mesma roupa ensangüentada, as marcas das facadas seguidas que eu a apliquei, a perna quebrada na luta... Ela me encarava – o ódio em seus olhos era quase palpável! – Ela moveu-se.
Não conseguia pensar em mais nada, o desespero tomou conta de mim, nem percebi que já estava de pé novamente, esmurrando a porta... Peguei impulso e joguei o peso de meu corpo contra a porta, que sequer se mexeu!
Voltei a encará-la, estava cada vez mais próxima, não a via andar.
- Me perdoe, por favor me perdoe! – soltava em voz fraca.
... A face demoníaca coberta pelos cabelos ruivos estava a menos de um metro de mim, e eu encostado a porta – encurralado... Não havia mais nada que eu pudesse fazer – Ela estava muito perto... Voltei meus olhos para a faca em minha mão...
Apenas um segundo foi o necessário... Levei-a para o alto e a enterrei em meu peito – com a mesma força que havia usado outrora para esfaquear Sofia...
... Senti o gosto de sangue na boca... O mundo sendo tingido de vermelho... Os olhos vingativos ainda me encarando – deixando o remorso ainda mais forte nos últimos instantes – não me permitindo esquecer...
Até a minha visão apagar-se por completo...